domingo, 6 de julho de 2008

Um momento de reflexão

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Gil, presidente do SINDIMOTOSP, discursando no 1º Seminário "São Paulo Sobre Duas Rodas"






peço perdão pela demora, caro leitor, em escrever neste espaço novamente,

Desde já no último encontro das lideranças sindicais, representando os trabalhadores motociclistas do Brasil, no 1º Seminário "São Paulo Sobre Duas Rodas", organizado pelo SINDIMOTOSP, aqui em São Paulo, venho buscando me concentrar sobre o momento de transformação que vive a nossa Categoria, de fato, pela primeira vez em nossa história começamos a entrar num ciclo de organização mas, agora me refiro a um nível nacional de organização.

Sabemos, desde há muitos anos que todos os sindicatos de outros Estados aguardam que São Paulo possa se organizar, pois, contendo a maior frota de profissionais motociclistas, somaremos forças, na tentativa de barrar as paulatinas seqüências de parte do Poder Público em regulamentar o setor, sem conhecer de fato seus problemas.
Esta forçagem deve hoje, principalmente, pelo enorme contingente de pessoas que trabalham de moto, que pelo volume de votos atrai cada vez mais uma participação política de curral eleitoral, aparecendo assim, muitos políticos "interessados" em resolver nossos problemas. Exemplos já foram vistos em eleições passadas, está acontecendo agora, com o encaminhamento da lei que regulamenta o motoboy no congresso e proíbe o mototáxis, e vamos continuar vendo ainda por algum tempo.

Essa questão já estava presente desde o 1º Fórum Nacional dos Profissionais Motociclistas, no Instituto Dante Pasanezzi, que organizei em parceria com a revista Motoboy Magazine em 2000, que teve o apoio da Abraciclo e dos sindimotos que já se encontravam em operação no Brasil.

Naquele momento, quando o prefeito Celso Pitta (que hoje se encontra preso (?), que após juntar em seu gabinete os empresários que atuavam no segmento moto-frete (neologismo funcional esse inventado por eles para designar o trabalhador que faz pequenas entregas no centro urbano que se utilizam à motocicleta para esta tarefa), um representante sindical que nunca fora eleito pelos motociclistas (até mesmo são suspeitas à forma com que o registro do sindicato foi deferido), alguns pseudos-empresários (que se apropriam do estatuto das cooperativas [coopergatos] para enriquecerem sonegando impostos, alguns representantes das montadoras de motos (que viram na oportunidade uma forma de vender mais motocicleta, sob as condições prepostas), assinou o primeiro Decreto regulatório e colocou a polícia na rua pra fazê-lo cumprir, criou-se um ambiente de total indignação, tanto que o próprio SETCESP (Sindicato Patronal), quanto os motoboys - que naquele momento tinham uma organização mínima -, tomaram a iniciativa de se
realizar seminários e fóruns.

Mas se o seminário organizado pelo Sindicato Patronal, que o fez mais na tentativa de apaziguar os empresários insatisfeitos, do que realmente "explicar" o Decreto, naquele momento mais trouxe dúvidas que realmente esclareceu as reais necessidades de se criarem mecanismos legais para conter as diversas arruaças que os motoboys faziam nas vias públicas. Por outro lado, o 1º Fórum Nacional que organizamos, serviu para alertar para a sociedade que tínhamos o direito de sermos ouvidos. No entanto este Fórum só pode ocorrer e só contou com a participação do Secretário dos Transporte, Getúlio Hanashiro e seus corrigionários, por uma tentativa deles nos dizer, "olha nós ouvimos vocês", e tinha lá uma mensagem que era tipo, "viemos aqui, explicamos as regras, obedeçam". O que ficou de lição foi que usamos desse artifício para segurar o processo de regulamentação e ganharmos tempo para, chegando as eleições, o uso da força seria inoportuna. Mas como podemos perceber ao aproximarmos da eleição este ano, esse recurso pode jogar contra nós, vejamos:

O pano de fundo continua. Mudam as conjunturas.

Tanto naquela primeira assinatura, quanto no atual Projeto de Lei 14.491, aprovado pela Câmara Municipal, em 27 de junho de 2007, os motoboys não foram ouvidos, e, se naquele momento os motoboys e os pequenos empresários resistiram, neste momento, a atual diretoria do SINDIMOTOSP corre atrás dos vereadores. Primeiro para reverter alguns pontos que passaram ser o cavalo de batalha de algo que em todos os sentidos não há como se realizar, sem Leis complementares tanto nas estâncias federais quanto nas estaduais. E segundo, podemos observar como que, por não se resolverem algumas antinomias que contém o objeto de Lei, os motoboys e seus agenciadores esperam impassíveis o momento em que serão enquadrados pelo jogo de forças que passaram a atuar, com essas medidas e Resoluções. E nessas idas e vindas cria-se o temor de que forças atuando por fora da visibilidade da maioria das pessoas possam lançar toda a Categoria num outro panorama - onde certamente não seremos mais protagonistas - ainda que padronizados.

Deveras é um momento muito particular, e que pede que paremos para fazer uma reflexão. E iludem-se aqueles que acham que são intragáveis por estas forças, empresários e profissionais motociclistas.

Logicamente não são gratuitas estas medidas que estão ai, haja vista a quantidade de acidente com motociclistas e todo tipo de problemas que existe por falta de um marco regulatório para o Setor. Mas os encaminhamentos, que partem dessa justificativa e que nos levam a esta situação, continuam sendo feitos por "interessados" em padronizar estes profissionais com fins meramente lucrativos sem pensar nestes pais de famílias - e nem de perto os motoqueiros participam das decisões que serão obrigados a acatar sob pena de multas e prisões. (Não preciso lembrar aqui o processo de regulamentar os perueiros: de arma em punho extirparam todos os que não conseguiram licença para operar no setor.)

Claro que são classes completamente diferentes.

Mas sob o risco de se repetir procedimentos dessa natureza ficamos atentos às posições políticas que nossos representantes tomam diante de uma conjuntura na qual eles têm a responsabilidade de partilhar de decisões que tem o aval da sociedade mas não combinam com a essência dessa classe profissional.

O fato de ser ano eleitoral aquiesce à vontade de alguns em fazer o uso da força para fazer valer a Lei. De outros, nasce à necessidade de se propor uma abertura de diálogo para que se encontrem as condições necessárias para que a Categoria se enquadre nos parâmetros, não só da legalidade, mas do próprio mercado, já que no fundo, quem de fato perde com a falta desse são os próprios profissionais motociclistas.

Exemplos temos visto em outros setores onde após se criar uma regulamentação todos tiveram ganhos e uma melhor qualidade de vida para os profissionais.

Uma classe de trabalhadores se define pelas condições materiais que há determina. Os mensageiros, motoboys e mototaxistas são proprietários do meio de produção. Com suas motos eles deveriam possuir autonomia suficiente para impedir que outros decidam sobre o modo como eles operam seus trabalhos e os frutos deste. No entanto, seríamos uma classe de alienados?

A alienação é quando estes indivíduos não se reconhecem enquanto classe. E isto não é verdade. Os motoboys resistiram a quatro tentativas de gestores públicos em baixarem decretos-leis que não atendiam minimamente suas necessidades.

E a pergunta que fica é esta: como vão reagir estes profissionais, quando para aquilo que eles tem toda razão em negar, serão chamados a tomar um partido. Não se trata aqui de reduzir o problema. A equação que trouxe, com uma nova diretoria no sindicato dos mensageiros, mais atuante sobre as empresas de motoboys, o máximo que tal política poderá alcançar será levar o paciente a um estado mais agudo: e com alguma certeza os sindicalistas sobrepujaram algumas incorreções na relação destas empresas com seus profissionais, mais jamais levarão a cabo as perdas que estes profissionais tem quando padecem das ambigüidades que hão por trás da dupla contratualidade que são obrigados a ter se quiserem continuar a sustentar suas famílias.

Quando a coisa aperta e em vez de resolverem-se as contradições, elas aumentam de tensão.

Ora, a óbvia política de apropriação do marco regulatório (Lei 14.491) municipal como arma para enquadrar estas empresas significa que por um lado a Constituição de uma CLT que tinha como fim último regular e mediar as relações trabalhistas, ou está falido, quando vemos que ela fica em um segundo plano quando tantos trabalhadores ainda trabalham na informalidade, ou ela não tem força o suficiente para se transformar e acompanhar as mudanças que existem na sociedade. E para não nos delongar mais neste artigo, deixamos em aberto a questão que perpassa entre aqueles que querem a todo custo enquadrar os motoboys e aqueles que querem ver uma Regulamentação que de fato encontre nestas ressonâncias as condições materiais desta classe de profissionais. E digo profissionais e não apenas "trabalhadores", por que considero que quando estes são donos dos meios de produção, são deles as demandas para se constituir aquilo que muitos chamam de profissionais motociclistas liberais.

É um momento de grande reflexão.

Esta em jogo mais do que a posse "legalista" de uma alcunha representativa. A hora é de união e conhecimento - e de difícil decisão.

Um marco regulatório, a partir de agora, passará a ser um embate em todas as estâncias. Deveremos eleger pessoas que estão plenos destas necessidades de se solucionar os problemas da Categoria, mas sem matá-la, sem dividi-la (os com coletes e os sem coletes).

Voltando de viagem do Rio de Janeiro, onde tivemos a honra de receber o Prêmio Orilaxé, do Grupo Cultural AfroReggae, no Theatro Municipal, os coordenadores do canal*MOTOBOY em encontros com os diretores do SINDMOTORJ - mas também, conhecendo a realidade daquela cidade e da Categoria naquele Estado, como em muitas outras cidades e Estados, que encontram realidades tão diferentes e soluções idem -, passamos a conjurar a necessidade de reabrirmos o Fórum Permanente dos Profissionais Motociclistas, fórum este que foi idealizado no início de 2000 e que culminou na realização do 1º Fórum Nacional dos Profissionais Motociclistas. Pois, compreendemos que há uma real necessidade de se encaminhar um Debate a nível nacional que configure num irmanamento de idéias e projetos que hoje começam a tomar corpo no seio da Categoria.

São estes projetos, por exemplo, a vigoração de um colete identificatório dos moto-fretes e mototáxistas que vêm imbutidos ali um chip que apontam a posição dos motociclistas na cidade através do sistema de vigilância GPS via satélite, que apesar de encontrar boas intensões em seus uso para manter atualizadas estatísticas públicas, pode ferir gravemente a liberdade dos motociclistas se estes não serem donos dessa tecnologia.

Tal proposta apresentada no 1º Seminário, realizado pelo SINDIMOTOSP, não teve uma discussão aberta sobre seus usos e fins. Nem mesmo foram apontadas empresas que venham oferecer estas ferramentas e para quais fins.

Outra proposta que acorda a Categoria para uma apropriação dessa tecnologia nasce dos centros de pesquisas da Universidade de São Paulo, em parceria com o canal*MOTOBOY, onde foi possível haver um primeiro grande investimento na Categoria com fins científicos. Tal investimento, que veio através do centro de pesquisa da USP, a Cidade do Conhecimento, é uma pesquisa financiada pela Fundação Telefónica da Espanha, que visa investigar o impacto da telefonia celular móvel na América Latina.

A Categoria dos Profissionais Motociclistas foi escolhida entre outras comunidades, pois, por ser uma Classe emblemática, têm sido investigada por uma série de pesquisadores no Brasil, todos com o fim de vir a compreender o fenômeno dos motoboys.

É impressionante este momento por que, pela primeira vez, a forma com que os motoboys irão se organizar em São Paulo criará uma matriz onde nenhum ponto deste imenso país não será atingido. Se for isso que os outros Estados aguardavam não é possível saber. O movimento dos motoboys inicia um processo sem retorno, onde todos deverão ser incluídos para que qualquer regulamentação, em qualquer nível legislativo, venha primeiro através de consulta popular. Estamos na ponta de uma nova democracia digital. Por isto os processos deverão ser cada vez mais transparentes.

Haveria uma ponta de utopia aqui - alguém pode até nos acusar. Mas cabe a todos um momento de reflexão. Cabe aos nossos representantes eleitos serem transparentes em seus atos - sob pena de serem abandonados pelos seus companheiros de luta.

Há nesta iniciativa de reabrirmos o Fórum Permanente, não só um convite para quem desejar se expressar fazê-lo, mas uma necessidade manifesta de pensarmos que só assim poderemos juntar massa crítica para que haja uma mudança estrutural em nosso Setor.

Enfim, estão todos convidados a comparecerem (ou assistirem virtualmente via webTV) estes debates que é do interesse de todos, mas principalmente da sociedade que vê no movimento dos motoboys se revigorar uma discussão sobre a cidade e a cidadania.

Um abraço e esperamos sua participação.

canal*MOTOBOY

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Coletivo Canal Motoboy